sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Vitimodogmática
A vitimodogmática é um dos temas mais instigantes do moderno Direito Penal e tem sido objeto de diversos estudos na Alemanha e Espanha, entre outros países. Margarida Bonet Esteva registra que: “Los llamados principios victimodogmáticos que la moderna dogmática penal aborda teóricamente en los últimos veinticinco años no coinciden en origen, desarrollo y plasmación jurídica con la búsqueda de ese punto común al tratamiento jurídico actual de la víctima en la teoría del delito en sentido estricto (acción, típica, antijurídica y culpable)”.
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Para vários autores, dois conceitos devem ser observados quando da aplicação da vitimodogmática: a necessidade de pena e o merecimento de proteção.

Ana Sophia lembra que a vitimodogmática se concentra atualmente na investigação da contribuição da vítima na ocorrência do delito e da repercussão que tal contribuição deve ter na fixação da pena do autor, variando de uma total isenção a uma simples atenuação.
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Pode a vítima com seu comportamento interferir na medida da culpabilidade do autor do fato? E a questão da concorrência das culpas? Admitida em Direito Civil, não é aceita pela doutrina tradicional de Direito Penal, ensinando-se que as culpas não se compensam em matéria criminal, devendo a culpabilidade de cada um dos autores do fato ser individualizada de forma autônoma. Se os dois concorrem culposamente para um resultado ilícito, ambos por ele respondem (artigo 13 do Código Penal).
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A dogmática penal não poderia deixar de considerar o aporte vitimológico e é assim que surgiu, nos últimos tempos, a expressão vitimodogmática que, embora com freqüência utilizada na doutrina estrangeira, ainda não guarda um sentido único.
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Manuel Cancio Meliá ensina que: “La cuestión central que ocupa a las aproximaciones victmodogmáticas és la de determinar en qué medida la “corresponsabilidade” de la víctima en lo sucedido puede tener repercusiones sobre la valoración jurídico-penal del comportamiento del autor.”
[5] Para alguns autores, existe no ordenamento jurídico-penal do Estado Democrático de Direito, um verdadeiro princípio vitimodogmático, que decorre diretamente da idéia do princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade da intervenção estatal penal. Melhor explicando, para alguns autores, se o princípio da intervenção mínima prega que o Direito Penal deva ser utilizado apenas como ultima ratio, na medida em que não houver nenhum outro meio de proteger os bens jurídicos, se a vítima puder proteger os referidos bens, não deve ser aplicado o Direito Penal.

Ana Sophia registra que Jesús Maria Silva Sanchez identifica duas posições básicas na doutrina alemã, na qual o tema é objeto de debate intenso. Esclarecendo que a doutrina e a jurisprudência alemãs sempre levaram em conta a atuação da vítima, especialmente nos delitos culposos (em que a imprudência da vítima – omissão de medidas de autoproteção, como a utilização do cinto de segurança – gera o conceito de co-responsabilidade), revela que na década de oitenta a discussão foi ampliada e atingiu o terreno dos delitos dolosos, dando lugar a duas posições antagônicas no seio da doutrina.
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Uma posição mais moderada, defendida por Hillenkam, Arzt, Gunther, Hassemer e Kratzsch, entende que o comportamento da vítima deve ser considerado no âmbito da fixação judicial da pena, mas tal consideração não pode extrapolar os limites da tipicidade a não ser mediante expressa previsão legal.
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A posição radical, representada por Schunemann, defende que o enfoque vitimológico dos princípios gerais que regulam o ius puniendi do Estado pode conduzir, em certos casos, não apenas a uma diminuição da sanção, mas a uma total isenção da responsabilidade do autor, pensamento que culmina na construção de um “princípio de auto-responsabilidade”. Esta concepção leva a um ponto extremo o princípio da subsidiariedade do direito penal e da sua utilização como ultima ratio.
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[1] ESTEVA, Margarida Bonet. La víctima del delito – la autopuesta en peligro como causa de exclusión del tipo de injusto, Madrid, Mc Graw Hill, 1999, p. 75.
[2] OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A Vítima e o Direito Penal. São Paulo, RT, 1999, p. 132.
[3] Nesse sentido os três julgados transcritos: 1. APELAÇÃO CRIMINAL – DELITO DE AUTOMÓVEL – Concorrência de culpas não isenta o agente da imprudência que lhe foi igualmente irrogada para a consumação do eventus damni. Cruzamento de via preferencial sem as cautelas devidas. Improvimento do recurso. Unânime. A imprudência da vítima quando haja, não isenta a do réu que se tenha de fato verificado, diante do ordenamento jurídico pátrio que não adota o princípio da compensação de culpas em matéria penal. (TJSE – ACr 084/94 – Ac. 0199/95 – C.Crim. – Aracaju – Rel. Des. Epaminondas S. de Andrade Lima – DJSE 18.04.1995) 2. APELAÇÃO – HOMICÍDIO CULPOSO – ACIDENTE DE TRÂNSITO – CONDENAÇÃO – CULPA – CIRCUNSTÂNCIAS INDUTORAS – CONCORRÊNCIA – EFEITOS – A falta de cuidado objetivo redobrado apto a evitar o atropelamento de pedestre em rodovia de tráfego intenso, frente à desfavorabilidade das condições meteorológicas. Chovia no local. E pessoais. Direção sob efeito de álcool e cocaína. Induz à evidência da culpa arrefecida, mas não compensada pela possível culpa concorrente da vítima. (TJDF – APR 19990410068875 – 1ª T. – Rel. Juiz Everards Mota E Matos – DJU 08.08.2001 – p. 57) 3. LESÃO CORPORAL CULPOSA – ACIDENTE DE TRÂNSITO – IMPRUDÊNCIA – CULPA CONCORRENTE – Responde pelo crime do art. 129, parágrafo 6, do CP, o motorista que, imprimindo velocidade incompatível com o local, ocasiona acidente, não se beneficiando de eventual concorrência de culpa por não ser esta admitida em direito penal. (TAMG – Ap 0189070-4 – 2ª C.Crim. – Relª Juíza Myriam Saboya – J. 21.02.1995)
[4] OLIVEIRA, Ana Sofia Schmidt de. A Vítima e o Direito Penal. São Paulo, RT, 1999, p. 132.
[5] MELIÁ, Manuel Cancio. Reflexiones sobre la “victimodogmatica” em la teoria del delito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, volume 25, IBCCRIM, São Paulo, RT, p. 27.
[6] OLIVEIRA, op. cit, p. 133.
[7] OLIVEIRA, op. cit, p. 133.
[8] OLIVEIRA, op. cit, p. 133-134.

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