sábado, 21 de julho de 2007

Entrevista concedida pelo Professor Carlos Canedo (UFMG) ao Professor Lélio Braga Calhau (UNIVALE)

(LÉLIO) Durante sua exposição na Semana do Ministério Público realizada pela PGJ-MG o senhor afirmou que há uma reconfiguração da punição e dos fins da pena. Em que consiste essa reconfiguração?
(CANEDO) O que autores como Pat O malley ou David Garland estão discutindo diz respeito às possíveis mudanças nas formas de castigo determinadas pelo processo de crise do chamado modelo do estado de bem estar, processo iniciado já nos finais dos anos 70 e aprofundado nos anos 90 (Estado neoliberal). Isto porque, para aqueles definitivamente excluídos do acesso a qualquer tipo de rede de proteção assim como do mercado de trabalho , a pena funcionaria como um método de exclusão e expiação. Não é que isto não existisse antes mas agora se encontra em um processo de aprofundamento.

2. Muitas pessoas criticam a Criminologia por ser uma ciência ou disciplina eminente teórica. Chegam a chamar os criminólogos de "reis sem reino". O senhor concorda com essa crítica? Podemos visualizar a aplicação prática da Criminologia no Brasil?
Acho que não. Na verdade, existe um grande debate sobre o estatuto epistemológico da Criminologia, resultante principalmente da chamada crise da Criminologia Crítica. Mas não acho que a Criminologia seja uma disciplina somente teórica. Pelo contrário, principalmente por força das tradições inglesas e americanas, temos um grande volume de estudos empíricos sobre diversos assuntos.

3. Hoje está sendo dado muita ênfase na abordagem sociológica da criminalidade. O senhor acha que a sociologia pode ter as respostas para se diagnosticar a criminalidade no Brasil, mesmo sendo as principais teorias vindas dos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra etc, realidades bastante distintas da nossa?
Embora as teorias criminológicas oriundas dos países do norte - notadamente da Inglaterra dos EUA - nos influenciem bastante, é claro que devem elas serem recepcionadas tendo em vista as nossas realidades periféricas. Um criminólogo como Alessandro Barata, por exemplo, logrou uma grande penetração no nosso subcontinente exatamente porque soube acoplar a nossa realidade às teorias vindas da Europa e dos EUA. Assim que, hoje, podemos encontrar diversos autores interessantes que escrevem e discutem a questão da criminalidade a partir da nossa periferia e tendo em vista a nossa realidade. Zaffaroni, por exemplo, que parte, inclusive, de perspectivas ligadas à teoria da dependência (devidamente atualizada), um corpo teórico proveniente da América Latina.

4. Durante sua exposição o senhor comentou sobre a importância de importantes marcos teóricos para a Criminologia que foram o pensamento de Foucault, Max Weber e de Emile Durkheim. Como fica a relação de poder e saber na atualidade quando lidamos com a punição dos violadores das leis penais?
O exercício do poder, como diria Foucault, consiste em guiar possibilidades de conduta e seus possíveis resultados. É basicamente uma questão de governo. Neste sentido, governar é estruturar campos possíveis de ações de terceiros. Destarte, assim como se pode falar de um "governo de comunidades" ou de "um governo de famílias", se pode falar de um "governo da penalidade".

5. Vivemos hoje no Brasil um momento de possível rompimento de paradigmas no Direito Penal entre o finalismo e o funcionalismo de Roxin e Jackobs. Cada vez mais se fala de imputação objetiva, ações neutras etc e nunca se escreveu e publicou tanto sobre o funcionalismo de Roxin. Podemos afirmar com isso que no Brasil o finalismo vai ser substituído pelo finalismo de Roxin ou o do próprio Jackobs? Há futuro para o finalismo em nosso país?
Não acho que estejamos propriamente às portas de um rompimento de paradigma. E continuo achando que, do ponto de vista dogmático, o finalismo ainda tem algo a nos oferecer. È verdade que não dá mais para trabalharmos naquela perspectiva de "estruturas lógico objetivas", tão cara aos finalistas. Mas isso não significa que não tenha ele futuro no Brasil. Trabalhar o dolo e a culpa na ação típica é uma contribuição dos finalistas, por exemplo. O grande espaço dado ao funcionalismo não significa necessariamente uma mudança de paradigma. Não se trata, ao meu ver, de substituição mas de convivência, evidentemente naquilo que é possível
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