O conceito de vítima
São diversos os conceitos de vítima. Eles dependem do ponto, perspectiva, foco ou do estudo que é realizado sobre a mesma. Leciona Elida Séguin que vitimizar é deixar desatendido qualquer direito básico do homem, nele incluídos os Direitos Humanos, os Direitos Fundamentais agasalhados na Constituição e os princípios densificadores do Estado Democrático.[2]
O nosso trabalho se concentra na vítima criminal[3] e seus reflexos na ciência do Direito Penal, motivo pelo qual abandonaremos o estudo de conceitos mais amplos sobre a figura da vítima. Diversos autores tratam da vítima em diversas linhas conceituais, sendo referidas em nosso estudo três linhas conceituais básicas: a gramatical ou literária, a vitimológica e a jurídica.
A concepção literária ou gramatical, no ensinamento de Scarance, reflete, a partir do sentido etimológico, os significados que o vocábulo vítima apresentou em sua evolução. São mencionadas duas fontes principais, vindas do latim. Derivaria ela de “vincire” que significa atar, ligar, referindo-se aos animais destinados ao sacrifício dos deuses após a vitória na guerra e que, por isso, ficavam vinculados, ligados, atados a esse ritual, no qual seriam vitimados. Adviria o vocábulo de “vincere”, que tem o sentido de vencer, ser vencedor, sendo vítima o vencido, o abatido. Fala-se ainda no terceiro “vigere”, que quer dizer vigoroso, ser forte.[4]
A segunda linha conceitual fez-se pelo trabalho da vitimologia. Deixando para o momento próprio a discussão sobre o surgimento do movimento vitimológico, é certo que os assuntos sobre a vítima começaram a serem sistematizados e uma terminologia técnica daí adveio. No início, houve uma pequena indefinição[5] quanto à conceituação da vítima, superada essa situação, como um ramo da Criminologia ou como ciência autônoma, vem a Vitimologia promovendo estudos em dois pontos fundamentais: a contribuição da vítima para a gênese e desenvolvimento do crime e a reparação do dano causado à vítima do crime.
A definição do aspecto jurídico da vítima também tem as suas dificuldades, haja vista as limitações que se realizam por se utilizarem conceitos nas normas jurídicas. Já se ensinou, que tal local não seria o apropriado para expressar a conceituação de bem ou valores. Edgard de Moura Bittencourt fala, ainda, sobre o sentido jurídico-geral, representando aquele que sofre diretamente a ofensa ou ameaça ao bem tutelado pelo direito, que dita reparações comuns ou especiais; o jurídico-penal-restrito, designando o indivíduo que sofre diretamente as conseqüências da violação da norma penal; e, por fim, o jurídico-penal-amplo, que abrange o indivíduo e a comunidade que sofrem diretamente as conseqüências do crime.[6] O nosso Código Penal trata da vítima, e, eventualmente, refere-se à mesma como ofendido.
Mister esclarecer que a vítima tem o sentido de ofendido ou parte e, ainda, pessoa ofendida, ou seja, o sujeito passivo do delito, em outras palavras, aquele foi diretamente prejudicado por ele. Tal definição adotada por Manzini é acompanhada no direito pátrio por Luiz Vicente Cernicchiaro, para o qual a significação de sujeito passivo se iguala à palavra vítima, devendo referir-se mais especificadamente aos casos de crimes contra a pessoa e contra o patrimônio.[7]
[2] SÉGUIN, Elida. O idoso: aqui e agora, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2001, p. 51.
[3] A ONU - Organização das Nações Unidas através da Declaração sobre os Princípios Fundamentais de Justiça para as Vítimas de Delitos e de Abuso de Poder, adotada pela Resolução 40/34, de 29 de novembro de 1985, registra em seu inciso primeiro que se entenderá por vítimas as pessoas que, individualmente ou coletivamente, tenham sofrido danos, inclusive lesões físicas ou mentais, sofrimento emocional, perda financeira ou menosprezo substancial dos direitos fundamentais, como conseqüência de ações ou omissões que violem a legislação penal vigente nos Estados Membros, incluída a que proíbe o abuso de poder.
[4] FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal, São Paulo, Malheiros, 1995, p. 30-31.
[5] A noção de vítima, na pena de Mendelsohn, é muito ampla e, por isso, foi muito contestada e teve pouca acolhida. Salientou Kirchhoff que na perspectiva de Mendelsohn, por ele denominada de universal foi abrangido todo tipo de vítimas, vítimas da natureza, da tecnologia, do meio ambiente, do trânsito, da energia cósmica. Esse dificultou um desenvolvimento no estudo das vítimas. SCARANCE, op. cit, p. 35.
[6] BITTENCOURT, Edgard de Melo. Vítima-Vitimologia in Enciclopédia Saraiva de Direito, volume 27, p. 480-481.
[7] GARCIA, Carlos Roberto Marcos. Aspectos relevantes da vitimologia, São Paulo, RT 769, 1999, p. 441-442.
Blog do Professor Lélio Braga Calhau. Promotor de Justiça do Ministério Público do estado de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha). Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ). Membro da American Society of Criminology e da Sociedade Brasileira de Vitimologia.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
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