segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

A Vítima e o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana
A palavra princípio tem duas acepções; uma de natureza moral, e outra de ordem lógica.
Quando dizemos que um indivíduo é homem de princípios, estamos empregando, evidentemente, o vocábulo na sua acepção ética, para dizer que se trata de um homem de virtudes, de boa formação e que sempre se conduz fundado em razões morais
[1].
A outra de ordem lógica pode nos ser explicada pela Filosofia do Direito na seguinte forma. Para isso devemos nos ater aos conhecimentos revelados pelos juízos, que são apreciações a respeito de algo e, quando combinamos juízos entre si segundo um nexo lógico de consequência, dizemos que estamos refletindo, que estamos na verdade raciocinando. Raciocínio, portanto, é um conjunto ordenado e coerente de juízos.
[2] Não é possível haver ciência, é claro, sem esta operação elementar de enunciar juízos e de combinar juízos entre si. A ciência implica sempre uma coerência entre juízos que se enunciam. É necessário que os enunciados – e a enunciação é a essência do juízo – não se choquem e nem se conflitem, mas se ordenem de tal maneira que entre eles exista um nexo comum que lhes assegure coerência e validez.[3]
O Direito não se furta a essa realidade. São várias as legislações que incluem entre as formas subsidiárias do direito, além dos costumes, os princípios gerais do direito, tais como a brasileira, argentina , mexicana, italiana etc..
Os princípios se conceituam como proposições ideais que informam a compreensão do fenômeno jurídico. São diretrizes centrais que se inferem de um sistema jurídico e que, após inferidas, a eles se reportam, informando-o.
[4] As coisas tendem a persistir enquanto não cessarem as razões que lhes ditaram o surgimento. Assim também, os princípios de direito vieram antes da lei e sobrevivem a elas.[5]
Pode-se concluir que a idéia de princípio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas de uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, reconduzem e/ou se subordinam.[6]
O princípio da “dignidade da pessoa humana“ é definido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil ( Título I, Dos Princípios Fundamentais, art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988). Mais do que um princípio geral do direito agora ele se encontra positivado no instrumento jurídico máximo do Estado brasileiro.
Não há de se negar ao princípio constitucional sua natureza de norma, de lei, de preceito jurídico, ainda que com características estruturais e funcionais bem diferentes de outras normas jurídicas, como as regras de direito. Por sua própria essência, evidencia mais do que comandos generalíssimos estampados em normas, em normas da Constituição; expressam opções políticas fundamentais, configuram eleição de valores éticos e sociais como fundantes de uma idéia de Estado e de Sociedade.
[7]
Reforçando tal idéia vem a lição do eminente Professor J.J. Gomes Canotilho da Faculdade de Direito de Coimbra:
“Perante as experiências históricas da aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da república significa, sem transcedências ou metafísicas, o reconhecimento do “homo noumenon”, ou seja, o indivíduo como limite e fundamento do domínio político da república”.
[8]
Não se contenta o Estado Democrático em fornecer os meios legais e materiais para a proteção da vida corpórea, mas busca também imbuí-la de um sentimento pessoal de satisfação pela própria vida que deve lhe devotar o homem ao contemplá-la e compreendê-la.
[9]
Qualquer ação em relação à vítima deve ser realizada em plena consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. Mas que dignidade humana há se a vítima é simplesmente desprezada no Brasil ?
[1] REALE, Miguel. Filosofia do Direito, 17ª.ed, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 59.
[2] REALE, op. cit., p.59.
[3] REALE, op. cit. 60.
[4] DELGADO, Maurício Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho, São Paulo, LTr, 1995, p. 147.
[5] LIMA, Francisco Meton Marques. Os princípios de direito do trabalho diante da reforma neoliberal. Revista LTr, Volume 61, no. 5, maio de 1997, p. 621
[6] ESPÍNDULA, Ruy Samuel. Conceitos de Princípios Constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada. São Paulo, RT, 1998, p. 47.
[7] ESPÍNDULA, op. cit., p. 75.
[8] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2 ed, Lisboa , Almedina, 1998, p. 219.
[9] LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Direito Penal, Estado e Constituição: Princípios constitucionais politicamente conformadores do Direito Penal. São Paulo, IBCCrim, 1997, p.183.

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