2ª Turma anula processo-crime contra Abramovich desde a fase de interrogatórios
A negativa de juiz aos defensores dos co-réus em um processo penal de formularem reperguntas (perguntas após inquirição feita pelo juiz ou pela outra parte), durante um interrogatório judicial, é motivo de anulação do processo desde a fase dos interrogatórios.
Com esse entendimento, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu de ofício, nesta terça-feira (16), Habeas Corpus (HC 94016) ao cidadão russo Boris Abramovich Berezovsky para anular, desde os interrogatórios dos demais co-réus, inclusive, realizados sem a co-participação da defesa dele, no processo-crime nº 2006.61.81.008647-8, em curso na 6ª Vara Criminal Federal da capital paulista.
No processo, Berezovsky é acusado de lavagem de dinheiro no curso de contrato de financiamento mantido entre o clube de futebol Corinthians Paulista e a empresa MSI, de que Berezovsky é dono.
A Turma determinou a realização de novos interrogatórios, assegurada, desde já, a Berezovsky, mediante regular e prévia intimação de seu advogado, a oportunidade de participar dos interrogatórios dos demais co-réus. A Turma decidiu estender também, igualmente de ofício e nos mesmos termos, o HC aos demais co-réus no processo que tiveram negado o direito de formular reperguntas nos interrogatórios no mesmo processo.
No processo-crime em questão são co-réus, entre outros, o ex-presidente do Corinthians Alberto Dualib, os ex-diretores do clube Nesi Curi, Renato Duprat Filho e Paulo Angioni, bem como o advogado Alexandre Verri.
Liminar anterior
Preliminarmente, a Turma afastou os obstáculos da Súmula 691, do próprio STF, que impede a análise de HC impetrado contra decisão monocrática de relator em tribunal superior de negar liminar em igual pedido. É que o HC impetrado por Berezovsky contesta decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de negar liminar em HC lá impetrado.
A decisão de hoje foi tomada após voto do ministro-relator Celso de Mello, que já havia concedido liminar ao dono da MSI no mesmo HC, impetrado em abril deste ano. Na época, o ministro determinou a suspensão do processo-crime até o julgamento final do HC, que ocorreu hoje.
Em seu voto, Celso de Mello lembrou que a Lei nº 10.792/2003 deu nova redação a diversos artigos do Código de Processo Penal (CPP) que tratam do interrogatório judicial, sobretudo os de números 185, 186, 188 e 189. Segundo essa nova concepção, ao lado de servir como meio de prova da acusação, o interrogatório passou a ser, também, com destaque, elemento de defesa do réu, que deve dispor de todos os meios de ampla defesa durante o seu transcurso. E este direito inclui o de participar dos interrogatórios dos demais co-réus, com pleno direito a seus defensores de não só estarem presentes às audiências, mas também de formular reperguntas aos demais co-réus.
No caso de Berezovsky, segundo ressaltou o ministro, esse direito fica ainda mais patente quando é sabido que as acusações contra ele levantadas surgiram de interrogatórios de co-réus, além de escutas telefônicas. Ocorre que o juiz da 6ª Vara Criminal Federal da capital paulista alegou que perguntas dos defensores dos co-réus seriam elemento de intimidação do respectivo interrogado. Por isso, ele proibiu perguntas por parte deles. Entretanto, ao mesmo tempo em que negou esse direito aos co-réus, permitiu-o ao Ministério Público Federal (MPF), numa clara ofensa ao princípio da igualdade que deve reger um processo.
Direito
Ao formular seu voto, o ministro Celso de Mello disse que “se impõe assegurar, com fundamento na garantia constitucional do due process (devido processo legal com direito de ampla defesa) a qualquer litisconsorte penal passivo que assim o requeira, o direito de formular perguntas aos co-réus, quando do respectivo interrogatório judicial”.
“ É tão relevante o direito de qualquer réu formular perguntas aos demais litisconsortes penais passivos, considerada a natureza constitucional que assume essa prerrogativa individual, que a eventual transgressão a tal direito subjetivo provocará a nulidade absoluta dos atos processuais que se seguirem ao interrogatório judicial, em face da inevitável repercussão que decorrerá do desrespeito, pelo magistrado, a tão essencial franquia, assegurada pela própria Constituição da República”, acrescentou o ministro.
Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Cezar Peluso, lembrando o argumento do juiz quanto à suposta intimidação do réu por perguntas dos advogados dos co-réus, disse que não existe nada que intimide mais um réu do que ser inquirido pelo Ministério Público, justamente sobre crime de que é acusado.
O ministro Celso de Mello citou como principal precedente para apoiar seu voto uma decisão do Plenário do STF, proposta pelo ministro-relator da Ação Penal 470 (mensalão), Joaquim Barbosa. A decisão não só assegurou o direito dos co-réus de participarem, juntamente com seus defensores, dos interrogatórios dos demais co-réus, como ainda incluiu determinação no sentido de que não se marcassem interrogatórios simultâneos e se guardassem intervalos de pelo menos 24 horas entre uns e outros, para permitir aos co-réus se locomoverem, em tempo, até as respectivas jurisdições.
Súmula
Durante o julgamento, o ministro Joaquim Barbosa sugeriu que a Turma levasse a questão ao Plenário e propusesse a edição de uma Súmula Vinculante para uniformizar o comportamento dos juízes nos interrogatórios. Prevaleceu, entretanto, a decisão de aguardar o julgamento, pelo Plenário, de um caso semelhante para, então, adotar-se, eventualmente, esse procedimento.
Estrangeiro
A exemplo do que fez quando da concessão da liminar, o ministro Celso de Mello ressaltou que, mesmo sendo estrangeiro e não residindo no Brasil, Boris Berezovsky tem o direito de ver respeitadas suas prerrogativas jurídicas “e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada pelo Estado. É obrigação do Judiciário assegurar ao réu estrangeiro os direitos básicos – garantia da ampla defesa, do contraditório, igualdade entre as partes perante o juízo natural e garantia de imparcialidade do magistrado”, concluiu Celso de Mello. Fonte:STF
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