segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Procurador vê avanço no projeto da lei de lavagem
O procurador da República Vladimir Aras, professor de Processo Penal e membro do Grupo de Trabalho em Lavagem de Ativos da Procuradoria Geral da República, faz a seguinte avaliação sobre o projeto da nova lei de lavagem de dinheiro:"O projeto da nova lei de lavagem de dinheiro (LLD) é fruto do trabalho conjunto dos vários atores (públicos e privados), que compõem a ENCCLA, estratégia montada pelo Ministério da Justiça para aperfeiçoar a prevenção e o combate a essa modalidade delitiva e também à corrupção (www.mj.gov.br/drci).
O projeto deriva também dos compromissos assumidos pelo Brasil em convenções internacionais como a de Palermo (sobre crime organizado transnacional) e Mérida (sobre corrupção), além de estar em conformidade com as 49 Recomendações do Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI).As inovações que poderão ser introduzidas pela nova LLD são esperadas há muito tempo pelos operadores, considerando que a lei em vigor (Lei 9.613/98), em razão de suas inúmeras falhas já identificadas pela doutrina, não atende às necessidades de uma persecução criminal eficiente, nesse que é um sub-ramo absolutamente especial do direito penal.
A eliminação de tais problemas normativos já seria muito bem-vinda, mas o Congresso pretende ir além.Assim, considero que são pontos positivos do substitutivo recentemente aprovado pelo Senado:a) a eliminação do rol de crimes antecedentes, o que permitirá avançar para uma legislação anti-LD de "terceira geração". Atualmente, há delitos que geram produto ou proveito econômico ilícito, mas que não podem ser considerados crimes antecedentes para a persecução da lavagem de ativos.
Vários países já eliminaram listas semelhantes à que hoje consta no art. 1º da lei em vigor, seguindo uma evolução iniciada com a Convenção de Viena de 1988. Com a nova LLD, crimes tributários poderão ser considerados antecedentes de lavagem de dinheiro, o mesmo ocorrendo com o roubo, o estelionato e os crimes em geral cometidos mediante paga. Em relação a crimes mais leves, o problema já existe com a atual norma.
Crimes de bagatela (como "furto de xampu") resolvem-se com princípios do sistema penal (insignificância, razoabilidade, proporcionalidade) e, sobretudo, com uma política criminal de bom senso.b) a previsão de regras específicas no art. 1º, §§5º, 6º e 7º, para a colaboração criminal premiada, que consagram o modelo hoje adotado pelo MPF e pelas Varas Especializadas em LD, de formalização de acordo escrito entre as partes.
O acordo deverá seguir em feito anexo, inicialmente sigiloso, estará sujeito a homologação judicial e será cogente no momento da sentença. Trata-se do reconhecimento da delação premiada como técnica essencial à persecução de delitos em que o silêncio (semelhante à "omertá" mafiosa) deve ser rompido por estímulos estatais (redução de pena ou perdão judicial). Trata-se também de conferir a necessária segurança ao colaborador de que sua contribuição será considerada por ocasião da sentença.c) a previsão de fiança proporcional aos valores objeto da reciclagem criminosa (art. 3º, único).
A fiança poderá ser estipulada, o que é uma vantagem em favor do "jus libertatis" do acusado, sem deixar de lado as garantias necessárias ao êxito da persecução criminal. A permissão desse tipo de garantia pecuniária representa um reforço na estratégia legal de sufocação econômica de grupos criminosos organizados, na qual a regra é eliminar ou restringir os seus meios econômicos.d) a previsão de destinação de bens ou valores declarados perdidos ("confiscados") agora também aos Estados.
Hoje, esses bens produto ou proveito de crimes de lavagem somente são destinados à União, mesmo em causas de competência estadual. Além disso, os órgãos que tenham participado da investigação ou do processo terão preferência para o recebimento dos bens ou valores (art. 7º), o que permitirá reforçar suas estruturas.e) a tipificação do crime de financiamento ao terrorismo (art. 1º-A), delito que não está regulamentado no Brasil.
Além das razões concretas por todos conhecidas, a necessidade de fazê-lo deve-se ao fato de que o País é signatário de documentos internacionais que o obrigam nesse campo (Convenção da ONU, de 1999);f) a formalização do procedimento de alienação antecipada de bens sujeitos a medidas cautelares (art. 4º-A), providência que permite ao juiz resguardar o interesse do réu inocente (preservando o valor de seus bens contra o risco de deterioração) e também o interesse do Estado, em caso de condenação.g) a previsão, agora expressa, de acesso da Polícia e do Ministério Público a dados cadastrais de investigados (art. 17-B), independentemente de autorização judicial. Não se trata na verdade de inovação, uma vez que o Ministério Público atualmente já tem acesso direto a muitos desses cadastros (LCF 75/93 e Lei 8.625/93), a exemplo do INFOSEG, CNIS, SERPRO/CPF/CNPJ, CCS, inclusive a bases de dados cadastrais de operadoras de telefonia e demais prestadoras de serviços públicos.
Também não há devassa na vida privada do cidadão, porquanto o acesso somente se dá ao cadastro (nome, endereço, qualificação) em investigações em curso (devidamente registradas), e os abusos podem ser levados ao Judiciário e às corregedorias.h) a previsão de uma medida cautelar especial, substitutiva da prisão, que permitirá o afastamento de servidor público de suas funções (sem perda de vantagens), no curso de uma investigação ou processo por lavagem de dinheiro (art. 17-D), etc.Assim, na minha visão, as alterações são muito importantes e, mais do que tudo, necessárias e constitucionais. Todavia, há um aspecto em que me parece houve um excesso do legislador (e nisso concordo com o Dr. Augusto de Arruda Botelho). [N.R. - Em carta à Folha, o advogado criminalista, diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, definiu como "legislação de pânico" a elevação das penas e o acesso a dados cadastrais sem autorização judicial.]A escala penal para o crime de lavagem de ativos tem limites muito largos: 3 a 18 anos de reclusão. Um intervalo tão elástico certamente causará injustiças, na medida em que réus em situações semelhantes poderão receber penas drasticamente distintas. A pena máxima de 18 anos é em si mesma um exagero.
Basta considerar que o homicídio simples tem pena máxima de 20 anos. Ou por outra, basta ver que muitos dos crimes antecedentes de lavagem, como o peculato, têm pena máxima de 12 anos.Enfim, entendo que o projeto deve ser melhor pensado nesta parte, para tornar proporcionais e razoáveis as penas privativas de liberdade previstas para o tipo principal. O ideal seria que a pena do crime de lavagem estivesse vinculada, por algum critério de proporcionalidade, à pena do delito antecedente.
Para crimes mais leves, penas mais brandas, inclusive em caso de lavagem, privilegiando-se, sempre que possível, penas alternativas e, quando necessário, medidas de constrição pecuniária rigorosas".
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