domingo, 14 de setembro de 2008

Recomendação de leitura do Professor
Lélio Braga Calhau

Histórias dos Pensamentos Criminológicos

Autor: Gabriel Ignacio Anitua

Editora Revan, 2008

História dos pensamentos criminológicos -

Prólogo de Eugenio Raúl Zaffaroni

http://www.revan.com.br/
Desfilam por essas alentadas e densas páginas teorias, opiniões, investigações, autores. O texto tem a virtude de não fixá-los fotograficamente, mas sim mostrá-los de modo dinâmico, cinematograficamente. É a longa-metragem da questão penal.
Anitua os intitula histórias, e tem razão quando faz isso, uma vez que são muitas e não apenas uma única história, e também se ajusta à verdade o emprego plural de pensamentos. Quem folheia essas páginas verificará não apenas que tampouco houve um pensamento criminológico único, como também, ao contrário, sua multiplicidade é verdadeiramente assombrosa. Talvez ele não acerte tanto quando concede a todos o nível hierárquico de pensamento, porém convenhamos que isso depende do que se entende como tal, isto é, se algumas – ou muitas – perversões discursivas ou racionalizações genocidas merecem esse qualificativo. Cabe admitir também que não é simples achar um substantivo livre de conotações, justa ou injustamente pejorativas ou limitadoras, como aconteceria se fossem empregadas expressões como ideologias, teorias, discursos etc.
De qualquer maneira, é muito preciso o uso de histórias, dado que evocam o que tem vigência presente, e por certo nada do que aqui se menciona desapareceu, tudo volta ou permanece, porque na criminologia nada morre e sim, simplesmente, transforma-se ou reaparece atuando de forma diferente. O itinerário deste livro é imprescindível para que não nos surpreendam pretensas novidades saídas dos museus, inclusive paleontológicos. Quando se trata de ideologias criminológicas e especialmente de racionalizações justificadoras da repressão ilimitada e da morte, Lucy caminha entre nós. Contenho a pena para não sintetizar aqui a tese dos primeiros criminólogos teóricos, que foram chamados demonólogos, e que alimentaram os primeiros criminólogos clínicos, os exorcistas, mas se o fizesse poderia constatar a presença de elementos estruturais constantes.
Portanto, ninguém deve acreditar que está lendo curiosidades do passado, pois se encontra diante de entidades bem presentes, algumas, hoje, incrivelmente rejuvenescidas. As histórias da criminologia são histórias sobre a exclusão, os genocídios, o racismo, todas as discriminações com os seres humanos que trataram de hierarquizar-se, como também todas as respostas com que se pretenderam conter ou deslegimitar todos esses crimes e aberrações.
Ao ler o texto vemos que o autor amplia o conteúdo do trabalho para muito além do que normalmente se entende por uma simples história criminológica. A princípio, não se pode evitar uma referência ao direito penal. Com um pouco mais de desenvolvimento, essa obra seria uma completa visão histórica de toda a questão penal. E não pode ser de outro modo, visto que a divisão é artificial; ambos saberes sempre tiveram que caminhar juntos; embora de vez em quando simulassem algum divórcio ou desavença passageira, o certo é que inclusive nesses momentos não deixavam de – em segredo – estar juntos. Com grande acerto, Anitua evita iniciar o relato no Iluminismo ou a partir de Lombroso, uma vez que a inescindibilidade do saber criminológico e jurídico penal leva-o a começar no próprio poder punitivo. Com efeito, a criminologia existe desde quando existe o poder punitivo. O autor também não pode excluir o pensamento político; certamente de outro modo, muitas teses seriam incompreensíveis. Ninguém pode omitir o pensamento político, quando se analisa a teorização ou o discurso acerca de questões que, definitivamente, estão na órbita do poder.
Anitua apresenta o livro como um texto sintético para estudantes. Não resta dúvida de que será de extraordinária utilidade para eles, permitindo-lhes compreender que aquilo que lhes é ensinado não é uma invenção recente e que ninguém pode ignorar que está parado sobre séculos de construção e destruição, e que longe de cair na tentação de cingir-se a um autor ou escola – como se todos os demais fossem supérfluos –, é indispensável entender que somos apenas um ponto num curso milenar e trágico. Porém, se me permitem uma observação, este livro não será útil apenas para os estudantes, mas também para muitos profissionais, formados num ensino que, com demasiada freqüência – para não dizer quase sempre – omitiu estes acontecimentos, às vezes devido a limitações intelectuais dos que o planejaram, e outras vezes com a clara intencionalidade reprodutora do próprio discurso repressivo.
Há muitos livros que eu gostaria de ler ou que leio com prazer; há muitos outros que leio com interesse, mas são poucos aqueles que eu gostaria de ter escrito, e o presente é um deles. Realmente, ao folhear suas páginas invejava o autor, porém como a inveja não é uma coisa boa, pensava mais construtivamente que seria bom que este texto fosse tomado como roteiro de uma obra muito mais ambiciosa e de conjunto, na qual muitos autores, seguindo um planejamento pormenorizado, encarassem o aprofundamento de cada um dos temas ou autores tratados, uma espécie de enciclopédia dos pensamentos – na falta de expressão melhor – sobre a questão criminal. Seria uma obra colossal em papel, porém talvez não tão grande em suporte magnético. Sua utilidade seria inquestionável, especialmente quando constatamos que qualquer irresponsável propõe o que primeiro lhe vem à mente, em geral algo tão pouco criativo que essa mesma idéia já ocorreu a alguém mais séculos atrás e outros – em número muito maior – sofreram as conseqüências da suposta feliz lembrança do gênio de plantão. Seria uma boa iniciativa de recuperação da memória, como o autor propõe: alguém disse que o ser humano é o único animal que reitera seus próprios erros. Não é verdade, os outros animais também fazem isso, mas só quando seus recursos são alterados e carecem de respostas filogeneticamente condicionadas. Como o ser humano vive alterando permanentemente seu meio – que é cultural –, não é de se surpreender sua insistência nos erros, porém em certas ocasiões a insensatez é de tal monta que provoca uma verdadeira indignação. Talvez uma obra dessa natureza possa contribuir para evitar esses acúmulos de desacerto.
Não tenho dúvida de que esta obra terá ampla difusão nos círculos argentino e latino-americano. O estilo é ameno, pese a inevitável densidade do tema. O autor, de forma criteriosa, matiza o texto com referências que colocam em relevo sua ampla cultura geral. Porém, acima de tudo, trata-se de uma obra que estávamos esperando há muito tempo, porque precisávamos dela desde muito antes.

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História dos pensamentos criminológicos

Gabriel Ignácio Anitua

Coleção Pensamento Criminológico nº15

Co-edição: Instituto Carioca de Criminologia

Direito 944 páginas

R$147,00

Formato: 14 x 21 cm

ISBN/ISSN: 9788571063785

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