terça-feira, 16 de setembro de 2008

Relator Especial da ONU apresenta relatório sobre execuções extrajudiciais no Brasil

No relatório, Philip Alston examina a violência no Brasil e chama atenção para a quantidade de assassinatos que ocorrem no país. O Relator Especial também faz recomendações para alterar o panorama atual.


O Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre Execuções Arbitrárias, Sumárias ou Extrajudiciais, Philip Alston, divulgou hoje relatório sobre a situação do Brasil nesta área. No relatório, Alston analisa a situação que encontrou no País em sua visita oficial, realizada a convite do Governo Brasileiro, que ocorreu entre os dias 4 e 14 de novembro de 2007. O documento completo pode ser descarregado aqui.
A visita ao Brasil foi planejada para permitir que ele mantivesse encontros com indivíduos e grupos de todos os setores da sociedade e incluiu reuniões com membros dos três poderes da República – Presidência, Congresso e Judiciário. Entre eles, Ministros de Estado, gabinete da Presidência, Supremo Tribunal Federal, Câmara e Senado, Ministério Público, Polícias Civil e Militar, diretorias de Prisões, Ouvidorias e Governadores.

Ele também manteve encontros com grupos e familiares de vítimas, ONGs de defesa de direitos humanos e outras entidades da sociedade civil. Durante a visita, Alston esteve em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Pernambuco e em Brasília.

Na apresentação do documento, Alston afirma que “O Brasil tem uma das maiores taxas de homicídio no mundo, com mais de 48 mil pessoas mortas por ano. Assassinatos cometidos por quadrilhas, companheiros de cela, policiais, esquadrões da morte e assassinos mercenários regularmente são notícia no Brasil e no mundo. Execuções extrajudiciais são apoiadas por grande parte da população, que teme as altas taxas de crime e tem consciência de que o sistema de justiça criminal é muito lento para punir efetivamente os criminosos. Muitos políticos, ansiosos por agradar o eleitorado amedrontado, falharam em demonstrar a vontade política necessária para controlar as execuções perpetradas pela polícia”.
O relatório discute uma nova abordagem e recomenda reformas direcionadas à Polícia Civil e Militar, à divisão de Assuntos Internos da Polícia, Polícia Forense, Ouvidoria, Promotores, ao sistema judiciário, e à administração dos presídios. “O alcance das reformas necessárias pode ser intimidante, mas a reforma é possível e necessária”, afirma o Relator.
O relatório será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em sua 11ª sessão, que acontecerá em junho de 2009.
Veja alguns dos destaques da apresentação do Relator Especial:
Execuções extrajudiciais acontecem com assustadora freqüência em várias partes do Brasil. As execuções são normalmente realizadas por policiais em serviço ou de folga, esquadrões da morte, milícias, assassinos de aluguel, e por detentos em prisões.
Membros da força policial muitas vezes contribuem para o problema das execuções extrajudiciais em vez de solucioná-lo.
Em algumas áreas do Rio de Janeiro o controle das gangues é tão absoluto, e a presença legítima do Estado tão ausente, que a polícia somente entra nesses lugares quando há confrontos armados com os traficantes.
Os homicídios são a causa principal de morte entre pessoas entre 15 e 44 anos, sendo a maioria das vítimas homens, jovens, negros e pobres. 70% dos assassinatos são cometidos com armas de fogo.
Policiais em serviço são responsáveis por uma significante parcela de todos os assassinatos no Brasil.
Operações policiais de larga escala foram ineficientes na maioria de seus objetivos. Colocaram em perigo os moradores das comunidades onde aconteceram, falharam em desmantelar organizações criminosas e apreenderam pequenas quantidades de drogas ou armas.
Numa operação no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 27 de junho 2007, 19 pessoas foram mortas, e nove feridas. Segundo as autoridades, todas as 19 vítimas teriam sido mortas em confronto com a polícia (“autos de resistência”), mas em vários casos há fortes evidências de que houve execuções sumárias.
Em São Paulo, o Primeiro Comando da Capital (PCC) conseguiu imobilizar o Estado em maio de 2006, organizando rebeliões em prisões, ataques e assassinatos. A polícia respondeu aos ataques matando 124 suspeitos de pertencerem ao PCC que não foram registrados nem investigados como homicídios e sim como “resistência seguida de morte”, uma prática que deveria ser abolida. Qualquer assassinato cometido pela polícia deve ser tratado da mesma maneira como são tratados os outros assassinatos.
Estima-se que cerca de 70% dos homicídios em Pernambuco são realizados por esquadrões da morte. Após inquérito foi descoberto que os grupos de extermínio são formados, em sua maioria, por policiais e agentes prisionais e que 80% dos crimes envolvem policiais ou ex-integrantes da polícia.
Além dos assassinatos cometidos por policiais em serviço, existe um número significante de grupos – em todo o Brasil – compostos por agentes do governo fora de serviço, que se envolvem em atividades criminosas, incluindo execuções extrajudiciais.
Nos últimos anos, especialmente no Rio de Janeiro, se multiplicaram as milícias integradas por policiais, ex-policiais, bombeiros, guardas carcerárias e simples civis, que controlam com a violência bairros inteiros. No Rio, estima-se que 92 das 500 favelas da cidade sejam controladas por diferentes milícias.
Assassinatos em prisões brasileiras acontecem normalmente no contexto de revoltas ou entre membros de gangues diferentes. Os assassinos costumam ser outros presos, guardas carcerários ou policiais enviados para conter as rebeliões.
Algumas das recomendações apresentadas no relatório:
Governadores, Secretários de Segurança Pública, Chefes e Comandantes de Polícia deveriam fazer público que haverá tolerância zero em relação ao uso excessivo de força e à execução de suspeitos pela polícia.
O Governo do Rio de Janeiro deveria evitar “mega” operações policiais nas favelas e, em seu lugar, garantir a presença policial de maneira sistemática e sustentável nas áreas controladas por gangues. As atuais políticas estão matando um grande número de pessoas, desperdiçando recursos e fracassando em seus objetivos.
A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR) deveria criar e manter um banco de dados nacional das violações de direitos humanos cometidas pelas polícias nos Estados da Federação.
No longo prazo, o Governo Federal deveria trabalhar para abolir a separação entre polícia militar e polícia civil.
Em cada Estado, a Secretaria Estadual de Segurança Pública deveria estabelecer uma unidade especializada em investigar e punir policiais envolvidos com milícias e grupos de extermínio.
Policiais deveriam receber salários significativamente maiores; quando fora de serviço, não deveriam, em nenhuma circunstância, serem permitidos de trabalhar em empresas de segurança privadas.
A atual prática de classificar os assassinatos feitos por policiais como “autos de resistência” ou “resistência seguida de morte”, dá carta-branca para assassinatos e deve ser abolida.

Fonte:ONU

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